Atentado, em vez de calar
paquistanesa, projetou sua voz em favor da educação para mulheres.
A jovem paquistanesa Malala Yousafzai
dividiu o prêmio Nobel da Paz com o indiano Kailash Satyarthi
A jovem paquistanesa Malala Yousafzai dividiu o prêmio Nobel da Paz com o indiano Kailash Satyarthi - OLIVIA HARRIS / REUTERS
RIO — Pequenos ônibus improvisados estão por toda parte em Mingora, maior cidade do Vale de Swat, no Paquistão. São como caminhonetes cobertas, com bancos presos à caçamba e a parte de trás aberta. Na tarde de 9 de outubro do ano retrasado, um desses veículos levava cerca de 20 estudantes e professores de volta para casa, após o dia de escola. Num dos assentos, a adolescente Malala Yousafzai, então aos 15 anos, jogava conversa fora com Moniba, sua melhor amiga, sem ignorar que a rua estava excepcionalmente deserta.
Cem metros depois do portão do colégio, dois homens de aparência jovem pararam a carreta. Um deles subiu e perguntou, agressivamente: “Quem é Malala? ”. Alunas e professores não responderam nada, mas olharam para a menina, identificando, sem querer, a ex-blogueira que havia se tornado uma voz da luta pela educação, contra a repressão local do Talibã. Antes de qualquer outra reação, o homem sacou uma arma e atirou na cabeça de Malala.
A adolescente foi
atendida em dois hospitais no Paquistão até ser mandada ao Queen Elizabeth
Hospital, em Birmingham, na Inglaterra. Ela se recuperou depois de longas
cirurgias e de uma terapia intensa. A bala entrou acima da sobrancelha
esquerda, atravessou crânio e o pescoço, até se alojar no ombro da menina. Mas
a brutalidade do atentado, em vez de calar a estudante, serviu para projetar
sua causa a uma escala internacional. Malala virou símbolo da luta pela
educação para garotas. Protagonizou uma campanha das Nações Unidas, recebeu
diversas láureas e foi eleita uma das cem pessoas mais influentes do mundo pela
revista “Time”. Agora, aos 16 anos, se torna a pessoa mais jovem da História a
receber o prêmio Nobel da Paz.
— Eu queria
reivindicar meus direitos — conta Malala em reportagem recente da BBC
britânica. — E também não queria que meu futuro fosse apenas ficar sentada num
quarto, aprisionada entre quatro paredes, cozinhando e tendo filhos. Não queria
ver minha vida dessa maneira.
Povoado pela etnia
pashtun, o Vale do Swat sempre foi uma região conservadora do país islâmico, mas
as meninas tinham o acesso à escola assegurado pelo governo. A partir de 2007,
porém, o fundamentalismo defendido pelo Talibã, aditivado pelo sentimento
antiamericano depois do 11 de Setembro, cobriu de sombras a cidade no Noroeste
do Paquistão. Clérigos difundiam suas premissas no rádio, ameaçando quem fosse
contra as tradições islâmicas mais radicais. A educação se tornou alvo
frequente dos religiosos, que ordenaram o fechamento de escolas para meninas.
Muitas resistiram, respaldadas pelo Exército, mas, no começo de 2009, todas,
inclusive o colégio de Malala, foram fechadas. Por medo.
A heroína
adolescente é filha do muçulmano sunita Ziauddin Yousafzai, poeta e dono de uma
rede de escolas chamada Khushal, batizada em homenagem ao poeta paquistanês
Kushal Khan. Malala estudava numa dessas instituições. Quando os talibãs
começaram a instalar o terror em Migora, Ziauddin foi procurado por um repórter
da BBC local em busca de uma aluna para escrever um blog denunciando a
repressão. O educador indicou sua própria filha, que, então com 11 anos,
revoltava-se contra os radicais que queriam afastar as meninas das escolas.
O primeiro post do
“Diário de uma Estudante Paquistanesa” foi publicado em janeiro de 2009.
“Estou entediada
em casa depois do fechamento das escolas. Alguns amigos deixaram Swat porque a
situação aqui é muito perigosa. Eu não saio de casa”. À noite, Maulana Shah
Dauran (o clérigo talibã que anunciou a proibição da educação para meninas)
mais uma vez avisou que as mulheres não devem sair de casa”, escreveu Malala
num post de 22 de janeiro daquele ano.
A menina usava um
pseudônimo, mas o blog durou poucos meses. Ainda no primeiro semestre de 2009,
batalhas duras entre o Exército paquistanês e a milícia talibã obrigaram a
família Yousafzai a sair de Swat, para onde retornou em julho do mesmo ano. A
essa altura, reportagens internacionais já citavam a adolescente e seu pai, um
conhecido ativista social. Num documentário do “New York Times”, Malala falou
sobre sua vontade de entrar para a política. Num encontro com o embaixador
Richard Holbrooke, representante da Casa Branca no Paquistão e no Afeganistão,
ela pediu socorro para o Vale do Swat.
Na época do
atentado, em 2012, as escolas de Migora já estavam reabertas. A normalidade
havia sido reinstaurada, mas os radicais religiosos continuavam no Vale do
Swat. Ao mesmo tempo, a identidade de Malala já era pública. Ela vinha
recebendo prêmios nacionais e internacionais e continuava expondo seus pontos
de vista, mesmo depois de ameaças públicas dos talibãs contra ela e seu pai.
Adotar o
transporte coletivo foi uma medida de segurança tomada a pedido da mãe. Antes,
Malala caminhava da escola para casa. Os Yousafzai não acreditavam que os
fundamentalistas atacariam a menina na frente de tantas pessoas, num ônibus. O
crime, que nesta quarta-feira completou um ano, deixou o país em choque.
Protestos aconteceram em diversas cidades. Recompensas milionárias foram
oferecidas em troca de informações sobre os criminosos. Autoridades mundiais
condenaram a tragédia. Um grupo de 50 clérigos muçulmanos editou uma fatwa
(pronunciamento legal) contra os responsáveis.
Paralelamente, a
estudante e sua bandeira ganharam popularidade estratosférica. A menina ainda
estava inconsciente quando, seis dias após o crime em Mingora, a ONU lançou a
petição “Eu sou Malala”, pressionando o governo paquistanês e condenando a
discriminação contra a educação para meninas. O texto da petição dizia que o
atentado foi um ataque a todos. “Somos todos Malala”. Na terça-feira passada,
chegou às livrarias de mais de 20 países o livro homônimo, escrito pela
adolescente com a colaboração da jornalista britânica Christina Lamb.
Em dezembro de
2009, a Unesco anunciou o Fundo Malala, para garantir a todas as mulheres o
acesso a escolas. O governo paquistanês doou US$ 10 milhões. Personalidades
como Angelina Jolie e Bono também colaboraram. Num show, Madonna dedicou a ela
a música “Human nature”.
Hoje, a
adolescente estuda em Birmingham, Inglaterra, onde mora com sua família, mas não se esquece
das colegas de classe no Vale do Swat. Ela tem certeza, porém, de que nem todos
na região aprovam suas posições. As amigas veem na menina um símbolo de sua
luta diária por um direito básico, mas esta não é uma opinião unânime.
— A América criou
Malala para promover a sua própria cultura de nudez e para difamar o Paquistão
pelo mundo — afirmou à AFP ninguém menos que o coordenador da educação para
meninas no Vale do Swat, Dilshad Begum.
Malala, por sua
vez, prega o diálogo.
— A melhor maneira
de superar os problemas e lutar contra a guerra é por meio do diálogo. Esse não
é um assunto meu, esse é o trabalho do governo e esse é também o trabalho dos
EUA — exaltou ela à BBC. — Vou ser política no futuro. Quero mudar meu país,
tornar a educação obrigatória. O melhor modo de lutar contra o terrorismo e o
extremismo é fazer algo simples: educar a próxima geração. Creio que alcançarei
meu objetivo porque Alá está comigo. Ele salvou a minha vida.
Fonte:
Jornal o globo. POR WILLIAM HELAL FILHO / COM AGÊNCIAS
INTERNACIONAIS
10/10/2014 7:05 / ATUALIZADO 10/10/2014
16:15
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/mundo/malala-adolescente-que-desafiou-do-taliba-14203022>.
Acesso: 22/10/2014
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirUm belo exemplo de uma verdadeira cidadã de seu País, em um lugar onde mulheres são oprimidas, Malala foi um exemplo de humanidade para todos, o mundo não é nada sem educação.Em um País tão fechado, ela se sobressai em meio a todos um exemplo a seguir.
ResponderExcluirQuanta força de vontade ela tem.
ResponderExcluirAcho que se estivesse de passar por tantas "dificuldades" como ela passou e continua passando não teria tantas forças e coragem.
Ela é um belo exemplo de que a vontade de mudar e a insistência já fazem toda uma diferença.
E ainda em nosso país há milhares de crianças que reclamam que tem de ir a escola...
Ass: Ana Catharina Herbst 1º m C
Isso mostra as diferenças culturais e governamentais entre os países, enquanto ela luta pelo direito de poder estudar aqui lutamos por melhores condições no ensino público. Além de sua historia inspiradora.
ResponderExcluirAss: Maria José dos Santos.
menina de coragem,forca e determinação parabéns malala....
ResponderExcluirÉ ridiculo as leis desse pais, pois todos temos o direito de estudar. Quanto a Malala Yousafzai é um exemplo de vida.
ResponderExcluirAss. Alan Amaral