quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Malala, a adolescente que desafiou do Talibã

Atentado, em vez de calar paquistanesa, projetou sua voz em favor da educação para mulheres.

A jovem paquistanesa Malala Yousafzai dividiu o prêmio Nobel da Paz com o indiano Kailash Satyarthi 


A jovem paquistanesa Malala Yousafzai dividiu o prêmio Nobel da Paz com o indiano Kailash Satyarthi - OLIVIA HARRIS / REUTERS

RIO — Pequenos ônibus improvisados estão por toda parte em Mingora, maior cidade do Vale de Swat, no Paquistão. São como caminhonetes cobertas, com bancos presos à caçamba e a parte de trás aberta. Na tarde de 9 de outubro do ano retrasado, um desses veículos levava cerca de 20 estudantes e professores de volta para casa, após o dia de escola. Num dos assentos, a adolescente Malala Yousafzai, então aos 15 anos, jogava conversa fora com Moniba, sua melhor amiga, sem ignorar que a rua estava excepcionalmente deserta.

Cem metros depois do portão do colégio, dois homens de aparência jovem pararam a carreta. Um deles subiu e perguntou, agressivamente: “Quem é Malala? ”. Alunas e professores não responderam nada, mas olharam para a menina, identificando, sem querer, a ex-blogueira que havia se tornado uma voz da luta pela educação, contra a repressão local do Talibã. Antes de qualquer outra reação, o homem sacou uma arma e atirou na cabeça de Malala.

A adolescente foi atendida em dois hospitais no Paquistão até ser mandada ao Queen Elizabeth Hospital, em Birmingham, na Inglaterra. Ela se recuperou depois de longas cirurgias e de uma terapia intensa. A bala entrou acima da sobrancelha esquerda, atravessou crânio e o pescoço, até se alojar no ombro da menina. Mas a brutalidade do atentado, em vez de calar a estudante, serviu para projetar sua causa a uma escala internacional. Malala virou símbolo da luta pela educação para garotas. Protagonizou uma campanha das Nações Unidas, recebeu diversas láureas e foi eleita uma das cem pessoas mais influentes do mundo pela revista “Time”. Agora, aos 16 anos, se torna a pessoa mais jovem da História a receber o prêmio Nobel da Paz.

— Eu queria reivindicar meus direitos — conta Malala em reportagem recente da BBC britânica. — E também não queria que meu futuro fosse apenas ficar sentada num quarto, aprisionada entre quatro paredes, cozinhando e tendo filhos. Não queria ver minha vida dessa maneira.
Povoado pela etnia pashtun, o Vale do Swat sempre foi uma região conservadora do país islâmico, mas as meninas tinham o acesso à escola assegurado pelo governo. A partir de 2007, porém, o fundamentalismo defendido pelo Talibã, aditivado pelo sentimento antiamericano depois do 11 de Setembro, cobriu de sombras a cidade no Noroeste do Paquistão. Clérigos difundiam suas premissas no rádio, ameaçando quem fosse contra as tradições islâmicas mais radicais. A educação se tornou alvo frequente dos religiosos, que ordenaram o fechamento de escolas para meninas. Muitas resistiram, respaldadas pelo Exército, mas, no começo de 2009, todas, inclusive o colégio de Malala, foram fechadas. Por medo.

A heroína adolescente é filha do muçulmano sunita Ziauddin Yousafzai, poeta e dono de uma rede de escolas chamada Khushal, batizada em homenagem ao poeta paquistanês Kushal Khan. Malala estudava numa dessas instituições. Quando os talibãs começaram a instalar o terror em Migora, Ziauddin foi procurado por um repórter da BBC local em busca de uma aluna para escrever um blog denunciando a repressão. O educador indicou sua própria filha, que, então com 11 anos, revoltava-se contra os radicais que queriam afastar as meninas das escolas.

O primeiro post do “Diário de uma Estudante Paquistanesa” foi publicado em janeiro de 2009.
“Estou entediada em casa depois do fechamento das escolas. Alguns amigos deixaram Swat porque a situação aqui é muito perigosa. Eu não saio de casa”. À noite, Maulana Shah Dauran (o clérigo talibã que anunciou a proibição da educação para meninas) mais uma vez avisou que as mulheres não devem sair de casa”, escreveu Malala num post de 22 de janeiro daquele ano.
A menina usava um pseudônimo, mas o blog durou poucos meses. Ainda no primeiro semestre de 2009, batalhas duras entre o Exército paquistanês e a milícia talibã obrigaram a família Yousafzai a sair de Swat, para onde retornou em julho do mesmo ano. A essa altura, reportagens internacionais já citavam a adolescente e seu pai, um conhecido ativista social. Num documentário do “New York Times”, Malala falou sobre sua vontade de entrar para a política. Num encontro com o embaixador Richard Holbrooke, representante da Casa Branca no Paquistão e no Afeganistão, ela pediu socorro para o Vale do Swat.

Na época do atentado, em 2012, as escolas de Migora já estavam reabertas. A normalidade havia sido reinstaurada, mas os radicais religiosos continuavam no Vale do Swat. Ao mesmo tempo, a identidade de Malala já era pública. Ela vinha recebendo prêmios nacionais e internacionais e continuava expondo seus pontos de vista, mesmo depois de ameaças públicas dos talibãs contra ela e seu pai.
Adotar o transporte coletivo foi uma medida de segurança tomada a pedido da mãe. Antes, Malala caminhava da escola para casa. Os Yousafzai não acreditavam que os fundamentalistas atacariam a menina na frente de tantas pessoas, num ônibus. O crime, que nesta quarta-feira completou um ano, deixou o país em choque. Protestos aconteceram em diversas cidades. Recompensas milionárias foram oferecidas em troca de informações sobre os criminosos. Autoridades mundiais condenaram a tragédia. Um grupo de 50 clérigos muçulmanos editou uma fatwa (pronunciamento legal) contra os responsáveis.

Paralelamente, a estudante e sua bandeira ganharam popularidade estratosférica. A menina ainda estava inconsciente quando, seis dias após o crime em Mingora, a ONU lançou a petição “Eu sou Malala”, pressionando o governo paquistanês e condenando a discriminação contra a educação para meninas. O texto da petição dizia que o atentado foi um ataque a todos. “Somos todos Malala”. Na terça-feira passada, chegou às livrarias de mais de 20 países o livro homônimo, escrito pela adolescente com a colaboração da jornalista britânica Christina Lamb.

Em dezembro de 2009, a Unesco anunciou o Fundo Malala, para garantir a todas as mulheres o acesso a escolas. O governo paquistanês doou US$ 10 milhões. Personalidades como Angelina Jolie e Bono também colaboraram. Num show, Madonna dedicou a ela a música “Human nature”.
Hoje, a adolescente estuda em Birmingham, Inglaterra,  onde mora com sua família, mas não se esquece das colegas de classe no Vale do Swat. Ela tem certeza, porém, de que nem todos na região aprovam suas posições. As amigas veem na menina um símbolo de sua luta diária por um direito básico, mas esta não é uma opinião unânime.

— A América criou Malala para promover a sua própria cultura de nudez e para difamar o Paquistão pelo mundo — afirmou à AFP ninguém menos que o coordenador da educação para meninas no Vale do Swat, Dilshad Begum.
Malala, por sua vez, prega o diálogo.

— A melhor maneira de superar os problemas e lutar contra a guerra é por meio do diálogo. Esse não é um assunto meu, esse é o trabalho do governo e esse é também o trabalho dos EUA — exaltou ela à BBC. — Vou ser política no futuro. Quero mudar meu país, tornar a educação obrigatória. O melhor modo de lutar contra o terrorismo e o extremismo é fazer algo simples: educar a próxima geração. Creio que alcançarei meu objetivo porque Alá está comigo. Ele salvou a minha vida.


Fonte: Jornal o globo. POR WILLIAM HELAL FILHO / COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS
10/10/2014 7:05 / ATUALIZADO 10/10/2014 16:15

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Um belo exemplo de uma verdadeira cidadã de seu País, em um lugar onde mulheres são oprimidas, Malala foi um exemplo de humanidade para todos, o mundo não é nada sem educação.Em um País tão fechado, ela se sobressai em meio a todos um exemplo a seguir.

    ResponderExcluir
  3. Quanta força de vontade ela tem.
    Acho que se estivesse de passar por tantas "dificuldades" como ela passou e continua passando não teria tantas forças e coragem.
    Ela é um belo exemplo de que a vontade de mudar e a insistência já fazem toda uma diferença.
    E ainda em nosso país há milhares de crianças que reclamam que tem de ir a escola...

    Ass: Ana Catharina Herbst 1º m C

    ResponderExcluir
  4. Isso mostra as diferenças culturais e governamentais entre os países, enquanto ela luta pelo direito de poder estudar aqui lutamos por melhores condições no ensino público. Além de sua historia inspiradora.

    Ass: Maria José dos Santos.

    ResponderExcluir
  5. menina de coragem,forca e determinação parabéns malala....

    ResponderExcluir
  6. É ridiculo as leis desse pais, pois todos temos o direito de estudar. Quanto a Malala Yousafzai é um exemplo de vida.

    Ass. Alan Amaral

    ResponderExcluir